Considerando os dias de hoje e o contexto do século XXI, seria possível afirmar que todas as escolas seguem um modelo de educação capaz de suprir não somente a base curricular comum, mas também o desenvolvimento pessoal dos estudantes?
No dia 20 de janeiro de 2021, o Programa CCBB Educativo convidou para o curso Transversalidades os pesquisadores Kau Clark e Fred Behrends, propondo um diálogo sobre educação e natureza. Kau e Fred estão à frente da Escola Inkiri, onde desenvolvem uma proposta pedagógica que inclui práticas de educação socioemocional, ecológica e comunitária.
Quando nos referimos a práticas de educação voltadas para a natureza, podemos pensar em várias atividades educativas, institucionais ou não, que promovem ações de consciência ambiental e ecológica. Tais práticas podem acontecer em projetos de educação ambiental, museus de ciências e de história natural ou ainda projetos de extensão universitária, assim como em muitos outros contextos.
Buscando ampliar esse leque de possibilidades, o objetivo do encontro com Kau Clark e Fred Behrends foi trazer reflexões sobre o funcionamento de uma escola em que os estudantes são convidados a se perceber como parte da natureza, assim como estimulados a práticas de autonomia e resolução de conflitos.
A comunidade Inkiri
A comunidade Inkiri vive em uma ecovila localizada em Piracicanga, na Península de Maraú, na Bahia. Formada por cerca de 60 pessoas, existe há aproximadamente 16 anos e se define como uma comunidade intencional: um grupo de pessoas que escolhem viver com outras para compartilhar um mesmo estilo de vida.
Logo no início do encontro, Kau e Fred compartilham que toda a energia elétrica consumida pela comunidade é produzida a partir de placas solares e o tratamento da água é feito de forma natural, sem o uso de químicos. Os integrantes da comunidade também produzem os próprios itens de cuidado pessoal e limpeza, todos biodegradáveis, fazem coleta seletiva, compostagem e apoiam a permacultura.
Em linhas gerais, as pessoas da comunidade prezam por uma vida totalmente sustentável, de forma que possam conviver em harmonia com a natureza ao longo dos anos. A palavra “Inkiri”, por sua vez, significa “o amor em mim saúda o amor em você”, e esse é um dos pilares que a comunidade possui.
A Escola Inkiri
Reconhecida pelo Ministério da Educação como referência em inovação, a Escola Inkiri foi criada a partir da necessidade de acolher crianças e adolescentes locais, atendendo hoje a estudantes de 2 a 14 anos. Para entender o funcionamento da escola, é importante fazer algumas considerações sobre a Pedagogia Inkiri e as metodologias utilizadas em suas práticas. Em linhas gerais, três frentes caracterizam a Pedagogia Inkiri: os dispositivos pedagógicos, os pilares e os valores.
Kau e Fred comentam sobre os dispositivos pedagógicos utilizados para delinear as “aulas” da escola, que em geral não acontecem no formato de sala de aula. Na Escola Inkiri, os estudantes trabalham com projetos, participam de assembleias para discutir os próximos objetivos, elaboram planejamentos e pesquisas, fazem auto-avaliações constantes e possuem liberdade para explorar o território da escola, que inclui muitos espaços ao ar livre.
Entre os valores destacados pelos convidados, figuram a solidariedade, que é a habilidade de agir coletivamente para cuidar do todo; a autorresponsabilidade, que é o ato de se observar e ter consciência sobre os resultados de suas ações para com o próximo, e a gentileza, identificada como a expressão e o respeito às próprias emoções e às dos outros.
Tais valores, segundo eles, dão margem para os três pilares da Pedagogia Inkiri: o “ser”, que é baseado no autoconhecimento, o “social”, que se refere ao trabalho entre o “eu” e o “outro”, e, por fim, o “planetário”, que abrange as relações entre o “eu” e “o mundo”, incorporando a questão ecológica, um dos fatores mais importantes para integrantes da escola.
O que se tem na Escola Inkiri é um modelo de educação baseado na autonomia, na resolução de conflitos, na conexão empática e na presentificação do “aqui e agora”. Para todos os que estão acostumados com um modelo de escola dividido por séries, matérias e faixas etárias, tal proposta pode soar diferente e bastante desafiadora, mas ao mesmo tempo capaz de trazer potentes reflexões sobre os caminhos para que possamos nos perceber como parte da natureza e entender como gerar o mínimo impacto ambiental possível. Constantemente a escola convida os estudantes a se perguntarem: “O que vou deixar para as próximas gerações?”.
Além disso, ao inserir em suas atividades a educação socioemocional e práticas holísticas, assim como ações de presentificação e comunicação não violenta, a escola contribui para que crianças e adolescentes cresçam e se desenvolvam não só suas habilidades escolares, mas também suas habilidades sociais e de autoconhecimento, entendendo como tudo isso pode contribuir para uma sociedade melhor.
Educação e natureza
Assim como a Escola Inkiri, existem muitos outros projetos educativos voltados para a narrativa ecológica e da natureza, oferecendo a crianças e adolescentes a possibilidade de uma educação ao ar livre. O Movimento Escoteiro é um desses projetos, consolidado como uma organização de jovens para jovens, que visa o seu desenvolvimento físico, intelectual, social, afetivo, espiritual e de caráter.
O Escotismo, portanto, pode ser entendido como um exemplo de educação não formal que preza pelo desenvolvimento pessoal e em equipe, valorizando atividades educativas ao ar livre. Trata-se de um movimento quase centenário no Brasil, atendendo a 745 cidades, com mais de 111 mil participantes. A partir de seu projeto educativo, são delimitadas ideias e definições fundamentais, aplicadas nos grupos escoteiros ou Unidades Escoteiras Locais.
No que se refere à educação formal, como é o caso da Escola Inkiri, outro bom exemplo é a Escola da Árvore, criada em 2015 por um casal de pedagogos. Naquele momento, eles tinham a intenção de matricular o próprio filho em uma escola que tivesse um bom ensino escolar, mas não deixasse de lado o contato com a natureza. Localizada no Lago Norte, no Distrito Federal, a escola está credenciada pela Secretaria de Educação e se baseia no Currículo em Movimento instituído pela mesma instituição.
Configurada como instituição sem fins lucrativos, a escola tem entre suas atividades aulas que ocorrem em diferentes moldes, desvinculando-se do modelo de estudantes sentados em carteiras diante de um professor que passa a matéria em um quadro. Nas dinâmicas da Escola da Árvore, as aulas são montadas de acordo com os interesses individuais dos estudantes, a partir de conversas que servem como subsídio para o desenvolvimento dos conteúdos.
Todos esses novos modelos educacionais são voltados para uma quebra em relação a práticas educacionais tradicionais, associadas a escolas com horários restritos e metodologias fixas, onde os alunos têm uma postura menos participativa no planejamento das atividades a serem desenvolvidas por e para eles.
A partir desses exemplos, podemos refletir sobre como a educação pode contribuir para uma sociedade mais sustentável. E também sobre o fato de que tanto o ensino formal quanto o não formal podem ajudar a reduzir os impactos ambientais dos processos educacionais, promovendo atividades de desenvolvimento físico, espiritual, emocional, social, intelectual e de caráter. Juntas, tais frentes de trabalho estimulam, por fim, a formação de cidadãos mais responsáveis, ao mesmo tempo comprometidos com a sociedade e com a preservação do planeta onde vivemos.