Intitulado “Se não for para isso, de que serve a poesia?”, o Laboratório de Crítica com Paulo Sabino teve como ponto de partida investigações entre a crítica literária e a poesia. Realizada como parte do Programa CCBB Educativo – Arte & Educação, a atividade teve como público doze jovens e adultos, muitos deles escritores, poetas e editores. A ação trouxe a poesia como um campo potente de crítica, interação e registro histórico, pensando também que o ato de ler e refletir sobre a leitura é capaz de formar – e reformar – nossas percepções sobre o mundo e seus sentidos.

Antes mesmo da atividade, a seleção dos poemas já havia sido feita cuidadosamente pelo convidado e disponibilizada aos participantes da ação como material a ser trabalhado. Trazendo diversos temas da nossa realidade social, assim como modos outros de se falar e se ouvir, para serem contextualizados pelos corpos de cada participante e compartilhados com os demais. Ao selecionar poemas de autoras e autores contemporâneos, o convidado aborda a realidade presente de modo crítico e nos dá um exemplo sobre como a potência da arte como memória de seus contextos de criação.

O diálogo desenhou-se, portanto, neste universo, onde muito foi lido e debatido. A estética da poesia envolveu os participantes, que puderam experimentar o gosto das palavras ao lerem, em conjunto, os poemas trazidos pelo convidado. Foi interessante perceber também a leveza e a sensibilidade com que o Sabino trouxe a crítica ao fazer poético.

O laboratório privilegiou, fundamentalmente, trabalhos de escritores e escritoras nitidamente comprometidos com a história e a ancestralidade, pautados no caráter materialista. Tal escolha nos induz a crer que, apesar de tecer críticas sobre o mercado de escritores, não por acaso, em seu poema supracitado, o poeta diz que corre risco de vida ao se entregar para a poesia, fazendo referência, aos desafios enfrentados pelos escritores iniciantes que buscam um lugar no mercado para se estabelecer como tal.

“Poesiar”, o verbo

Considerando o poema como matéria a ser investigada nesta edição do Laboratório de Crítica, partimos de um exercício que nos convocou a refletir e contextualizar cada corpo que escreve. Os integrantes do grupo apresentaram-se, então, trazendo não somente os próprios nomes, mas também seus contextos de vida, assim como referências literárias e poéticas. A ação desdobrou-se como uma grande rede de compartilhamentos e troca de saberes entre diversos profissionais do poema, perpassando a divulgação de eventos e práticas dentro da área, assim como permitindo aos participantes o estabelecimento de relações mais próximas com os vários eventos relacionados à literatura e à poesia, no contexto do Rio de Janeiro. 

Pensar a poesia enquanto processo criativo foi o primeiro mote trazido pelo convidado, a partir de procedimentos que nos estimularam a investigar a poesia e sua essência de não se prender a nenhum tipo de tema. Ao podermos, por meio da poesia, tratar de todo e qualquer assunto, se tornou único o lugar da criação, partindo de uma estrutura ímpar e poética a partir das palavras. Pensar sobre a estrutura e a motivação temática de suas criações também foram evocados. Como falar com/em poemas e como se apropriar e ampliar de seus usos?

Em resposta a essas e outras questões, foram mapeadas distintas formas como os poetas reagem às sensibilidades de seus espaços de vida, assim como identificamos os modos como cada poema carrega a essência de seu criador, seja nas letras, nos ritmos ou signos evocados. Também houve tempo para esmiuçar estruturas já conhecidas pelos poetas no ato de organizar fonemas e narrativas, trazendo ainda reflexões sobre as relações entre a poesia e o mercado, considerando os contextos de acesso e contato com seus públicos. E entre os pontos de acordo alcançados durante a atividade, figurou certo consenso sobre um déficit na divulgação de eventos especializados, assim como em relação à existência de espaços abertos à linguagem. 

No decorrer do recitar/refletir sobre poesias e das várias ramificações possíveis sobre a poema e seu contexto cultural e social, foi percebido que fazer e trabalhar com poesias, não se restringe somente a organização e estruturação de palavras, sendo ação presente em todo cotidiano, tanto na forma de ver o mundo e de relacionar-se, como também nas formas de comunicação estabelecidas, poesiando todos estágios da vida. Em outras palavras, pensando a poesia não é somente como substantivo, e sim como verbo. 

Traga a poesia para seu tempo

Há de se admirar a sensibilidade, a riqueza de detalhes e a simetria com que os arranjos de palavras vão se desenhando dentro de cada verso narrado para cada corpo presente. “Trazer a poesia para o próprio tempo” foi o caminho escolhido pelo convidado, Paulo Sabino, para contemporizar poesias de outrora, nos conduzindo a um transbordamento que configura o mistério, a delícia e o pavor de viver ou de não estar dos tempos atuais, considerando,, a esse respeito, os contextos de poemas criados em tempos passados, nos quais os interesses e as evidências eram outros.

Ao longo de uma roda de debate, surgiram diferentes percepções a partir dos poemas compartilhados, ressaltando o entendimento de como diferentes corpos sentem poemas iguais de formas distintas, ficou nítido como o sentir, na arte, diverge tanto em intensidade como também em relação a aspectos específicos que variam de pessoa para pessoa: podemos pensar, por exemplo, em temáticas que tocam mais um corpo do que outros, assim como em maneiras de escrever que possibilitam maior empatia e representatividade para determinados públicos.

Muito ainda foi comentado a respeito de cada sentir, dos contextos sociais e políticos envolvidos, do cenário cultural do Rio de Janeiro e da realidade da poesia no estado. Foram compartilhados, nesse sentido, nomes de profissionais cariocas da poesia, presentes tanto em rodas de leitura, saraus e encontros de escritores, assim como pontuada a diminuição desses eventos e da visibilidade desses encontros, geralmente tão mais visíveis quanto mais próximos do centro da cidade.

Diante desse contexto, parece importante frisar que na Baixada Fluminense, nas periferias e em outras regiões da capital também se encontra uma rica produção poética, permeada por talentos que emergem em circuitos de Slam, batalhas de rima e pequenos saraus dentro e fora das comunidades.

Tendo em vista a amplitude da temática e as infinitas possibilidades que nos abre a poesia, foi possível redescobrir, novos sentidos de produção da escrita, na qual a poesia pode transbordar as caixas limitantes que um dia a colocaram, e tornando-se crítica, objeto e ferramenta de revolução e manifesto, tanto no ontem quanto no hoje. Deste rico encontro entre tantos poetas e escritores, a poesia se fez sentir como latente ato de resistência perante as adversidades dos nossos tempos, sendo luta que age como água de rio, fluida e persistente, contornando pedras e barreiras,chegando onde deve e sempre a alguém que precise do seu “frescor”.

Um exercício de bricolagem

Inspirados pelo Laboratório de Crítica, criamos esta poesia como um exercício de bricolagem a partir de fragmentos poéticos recontados pelos corpos que integraram a atividade. Intitulado “Sítio”, o poema foi construído usando trechos das poesias “É preciso aprender a ficar submerso”, de Alberto Pucheu, “Sítio”, de Claudia Roquette-Pinto, “Manifesto”, de Jorge Salomão, “Nada vai apagar meu sorriso”, de Mano Melo, e “Coisas assim”, do próprio Paulo Sabino.

SÍTIO

É preciso aprender a ficar submerso
por algum tempo, é preciso aprender
a persistir, a não desistir, é preciso,
é preciso aprender a ficar submerso,
é preciso aprender a ficar lá embaixo,
no círculo sem luz, no furacão de água
que o arremessa ainda mais para baixo,
onde estão os desafiadores dos limites
humanos.

Olhar o mar não traz nenhum consolo
(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,
vomitando uma espuma de bile,
e vem acabar de morrer na nossa porta).
Um pássaro voando de um lado para o outro.
um homem errante entre sons urbanos.

Para mexer com a linguagem, para gerar atalhos, para provocar,
para tonificar o sentido das palavras, para inflexionar o moderno,
para ser a bomba-relógio no coração do mundo,
para ser a sensação do explosivo, do mais caótico, do zero etc.
Borboletas brancas numa área pútrida.

Entre os campos de batalha dessa guerra infame,
busco trocar amor com quem também me ame.
E sei que a maioria das pessoas são pessoas decentes,
gente do bem trabalhando para criar filhos
e passar sua herança de conhecimentos.

E que venha, enfim,
Da era do sistema ruim,
O seu desmonte, o seu fim.
Pronto para o estopim.
A postos com o motim.