Artista, crítico de arte e curador independente, nascido no Goiás e residente em Goiânia, Divino Sobral nos provocou uma reflexão sobre arte, história e memória durante sua participação na edição de novembro do Laboratório de Crítica. Num clima descontraído e dialógico, Sobral iniciou a conversa contando sobre como se tornou artista, perpassando importantes capítulos da história das artes visuais em sua cidade natal, situada a poucos quilômetros do CCBB DF, onde se deu o encontro.
Em 1952, segundo ele, Goiânia recebeu a inauguração da primeira escola artes do Centro Oeste, a Escola Goiana de Belas Artes, que funcionou até 1972, quando foi criada a Faculdade de Arquitetura da Universidade Católica de Goiás. Em 1963, foi criada a Universidade Federal de Goiás, e uma das faculdades iniciais da instituição era a Faculdade de Belas Artes do Estado de Goiás. Na passagem dos anos 1950 para os anos 1960, entretanto, houve uma dissidência da Escola Goiana de Belas Artes, e alguns ex-professores da instituição criaram uma outra escola, que hoje dá corpo ao Instituto de Artes da Universidade Federal (FAV).
Na visão de Divino Sobral, essas escolas se preocupavam em formar artistas, mas não havia uma atenção em formar pensadores de arte. Ou seja: mesmo havendo espaço para falar dos artistas, não havia para pensar em suas obras. Logo que começou a criar em seu ateliê, no entanto, Divino sentia a necessidade de ter a sua fala, ter a sua escritura como um terreno onde pudesse entender, dialogar, conversar e aprofundar suas reflexões sobre o que estava fazendo. Para além disso, a ele também interessava entender o que seus colegas e colaboradores estavam fazendo.
A partir desse desejo, Divino e outros três colegas começaram a dividir um galpão, onde cada um tinha seu próprio ateliê. De modo bastante espontâneo, ele começou a escrever sobre os trabalhos de seus colegas e, dali em diante, não parou mais. Autodidata, Divino conta ter feito, ao longo daquele período, numerosos cursos que contemplavam a formação crítica que a ele interessava construir.
Para a escrita
Escrever é colocar em palavras o que os nossos sentidos nos dizem. Escrever uma crítica é colocar em palavras esses sentidos com relação a obras artísticas, seus autores e autoras, assim como colocá-las em diálogo com nossas vivências.
Ao longo da conversa, Divino afirma que escrevemos para que mais pessoas entendam sobre o que está sendo escrito (ou o que foi escrito) e para que mais pessoas leiam. Por isso, em nosso exercício da escrita, o mais importante é o modo como escrevemos, e não somente o conteúdo.
Assim como o convidado, todos começamos a escrever em algum contexto específico, mas é extremamente importante, em sua visão, que nossos trabalhos circulem também em outros ambientes, em meio a outras pessoas, de modo que possamos conhecer e experimentar novas formas de comunicação, diálogo, abordagem e escrita.
Para escrever, lembra ele, existe uma vasta possibilidade de materiais, desde a caneta e o papel, passando para pintura e também pelos meios tecnológicos. Da mesma forma, as maneiras de escrita são infinitas. Experimentar esses diferentes materiais e formas pode se tornar, em sua visão, um potente exercício de trabalho e caminho de encontro com nossa personalidade crítica.
Um exercício coletivo
Como um exercício prático a ser realizado durante o encontro, Divino Sobral trouxe ao CCBB DF obras de quatro artistas brasileiros: José Rufino, Dalton Paula, Paulo Bruscky e Talles Lopes. Conforme ele mesmo nos explicou, os objetos de arte foram trazidos para que os participantes do laboratório pudessem estimular seus sentidos a partir das obras, tendo, por exemplo, a possibilidade de sentir seus cheiros e tocá-los, ainda que usando luvas. Divino defendeu que o contato mais direto com as peças tinha como objetivo intensificar nossas relações com os trabalhos desses artistas, para que, em seguida, fossem produzidos coletivamente alguns textos críticos que explorassem os diferentes procedimentos formais e as nuances poéticas presentes naqueles trabalhos.
Depois de observar as obras, os participantes do curso se dividiram em grupos para discutir suas impressões e pensamentos sobre os trabalhos compartilhados. Puderam discutir, por exemplo, sobre os significados de alguns materiais utilizados na confecção das obras apresentadas, assim como identificar caminhos para colocá-los em diálogo com conhecimentos outros. O grande exercício para os participantes do laboratório foi, portanto, deixar que as sensações criadas pelas obras gerassem estímulos para os fazerem pensar em como interpretá-las.
Ao final, foi gigantesca a surpresa diante dos resultados críticos produzidos a partir da fruição das obras. Ao longo de uma prazerosa conversa, os participantes puderam desdobrar algumas reflexões compartilhadas no Laboratório de Crítica, muitas vezes colocando-os em relação às suas próprias experiências. Tendo o diálogo como ferramenta, puderam dialogar bastante uns com os outros, em uma experiência que, para além de ampliar os significados dos trabalhos, gerou olhares amistosos sobre as histórias e memórias de cada um.