Em uma visita realizada ao CCBB SP nos últimos dias de 2020, a arqueóloga e historiadora Cintia Gama conduziu um passeio virtual por diferentes galerias da mostra “Egito Antigo – Do cotidiano à eternidade”. Com humor e irreverência, ela destacou algumas peças e salas da exposição e compartilhou numerosos conhecimentos sobre a cultura egípcia e a própria atividade arqueológica.
Iniciada em uma sala dedicada ao campo da arqueologia funerária, a visita nos oferece a oportunidade de desfazer um importante mal entendido sobre o que a pesquisadora chama de “Egitologia”. A pesquisadora explica que os volumosos estudos sobre artigos funerários do Egito Antigo se devem a questões de conservação – e não a uma curiosa preferência de arqueólogos e arqueólogas.
“As cidades egípcias ficavam na margem oriental do rio Nilo, perto das zonas agriculturáveis, de territórios úmidos e sujeitos à cheia do Nilo. Mas muitas vezes, as cidades que nos mostram sobre a vida cotidiana dos egípcios tiveram uma degradação maior do que as necrópoles. Os egípcios antigos faziam as suas sepulturas nas zonas desérticas, sempre do lado ocidental do rio. Por ser deserto, é como se houvesse uma proteção aos objetos, porque o clima seco do deserto protege muito bem”, afirma.
Como explicação para a diversidade e a riqueza presente no acervo da mostra, Cíntia Gama nos lembra que artefatos como caixões e múmias estão relacionados à religiosidade do povo egípcio. Ela destaca, no entanto, que tais objetos reverberam a diversidade dessas práticas religiosas. “É uma religião praticada, cotidiana, como na nossa sociedade. Precisamos lembrar também que essa é uma civilização com duração cronológica gigantesca, o que dificulta a existência de uma uniformidade”, completa, chamando atenção aos 3500 anos que constituem a duração do Egito Antigo.
A vida depois da vida
Trata-se, portanto, de uma exposição que abarca diferentes concepções de religião, cultura e também da língua egípcia. Inspirada pelos preciosos objetos funerários presentes na sala, a pesquisadora nos apresentou ao poético conceito de vida e morte presente na cultura dos antigos egípcios. “Eles acreditam que somos compostos por sete elementos: quatro elementos físicos e três espirituais”, pontua.
Cíntia enumera os elementos físicos como o nome, o coração, a sombra e o corpo. Para os elementos espirituais, oferece algumas traduções do egípcio para o português: Ka (alma fixa, duplo), Ba (espírito móvel) e Akh (iluminação, centelha divina). Segundo ela, a morte aconteceria quando os sete elementos se separam, e a preservação do corpo serviria como artifício para que os diferentes espíritos de uma pessoa pudessem ali se encontrar. “Eles amam tanto a vida, que eles só querem que a vida após a morte seja uma cópia dessa aqui. E se essa vida é passageira, a próxima é eterna”, observa.
A pesquisadora descreve ainda as diferentes etapas relacionadas ao processo de conservação dos corpos, a partir do que se conhece como mumificação. Cíntia explica que se trata, essencialmente, de um processo de secagem dos corpos, ao longo do qual alguns órgãos internos são descartados e outros podem ser armazenados em vasos. Na sequência os corpos atravessam um processo de salga, usando para isso o natrão – tipo específico de sal terrestre ainda hoje existente em território egípcio. Após esse processo, finaliza, os corpos recebem amuletos protetivos e são envolvidos por bandagens de linho.
Uma iniciação à arqueologia
Em outra sala da exposição, a convidada compartilha conosco alguns procedimentos relacionados à atividade arqueológica, a partir dos quais se torna possível identificar o período aproximado de produção de cada peça presente na mostra. “Esse caixão apresenta uma imagem retangular com olhos, típica do Médio Império egípcio”, detalha, oferecendo algumas reflexões sobre os diferentes períodos históricos que compreendem o Egito Antigo.
Cíntia explica ainda que os caixões em exposição não foram produzidos para faraós ou sacerdotes, mas para integrantes das elites econômicas do Antigo Egito. “É um processo longo e dispendioso, e não é toda pessoa da sociedade egípcia que consegue ser mumificada”, pontua. Sobre a peça de madeira que podemos ver ao seu lado, a pesquisadora estima uma idade de aproximadamente 3.700 anos, cuja plena conservação só foi possível devido às condições climáticas do deserto.
Por fim, a pesquisadora nos apresenta aos curiosos Shabtis, pequenas estatuetas funerárias que costumavam acompanhar os mortos do Egito Antigo e hoje contribuem para que arqueólogos e arqueólogas consigam identificar as idades de objetos encontrados junto às estatuetas. Ela comenta também sobre o importante Livro dos Mortos, documento criado com intenção de orientar as pessoas sobre a – aguardada – vida após a morte.