Preciosa. Milagrosa. Vem, regai por nós. 

Vai, corrente. Da nascente. Até chegar na foz.
Enche o pote, enche o pote. Enche o pote, enche o pote.
A chuva trouxe água. Para encher o pote.
Dentro da água tem um espelho. Cheio d’água. 


(“Baião do Mundo”, Tribalistas)

Ajeitamos tudo, carregamos bancos azuis e chegamos ao pátio onde houve o primeiro contato entre os educadores e as integrantes do Coletivo Às Margens, convidados a conduzir uma Atividade Especial no CCBB BH, em comemoração ao Dia Mundial da Água. Ainda nas dependências do edifício, situado ao lado da Praça da Liberdade, nós nos apresentamos e fizemos os últimos acertos, curiosamente próximos a um precioso bebedouro. 

Ficamos, então, por ali, estáticos como as margens de um rio, esperando que a água – o público – viesse e passasse por nós. Enquanto isso não acontecia, fazíamos como a chuva: íamos ao encontro das pessoas, jogando nelas gotas de curiosidade e convencendo-as de que não precisariam de “guarda-chuva” para engrossar nossa proposta de celebrar o aniversário da água e refletir sobre como a cidade, a natureza e nossos próprios corpos utilizam esse importante bem natural.

Junto às Caçadoras das Águas, Ana, Conceição e Teresa, personagens fictícias presentes nas cartas que conduzem o jogo homônimo concebido pelo coletivo, nos aventuramos pelo prédio do CCBB BH, pela Praça da Liberdade e pelo nossos corpos, sempre em busca de água. Cada participante da atividade recebeu, antes de iniciarmos propriamente, uma bolsinha que continha uma lupa, uma caneta e um pedaço de papel: esses seriam nossos instrumentos para encontrar água, descobrir seus múltiplos caminhos e, por fim, voltar ao pátio do CCBB BH trazendo novas histórias. Iniciamos essa busca com uma simples conversa, uma apresentação da proposta e um convite: “Por favor, escolha uma cartinha e vamos iniciar a prosa: Corpo, Praça ou CCBB?”.

Do corpo à cidade

Se a opção escolhida era “corpo”, lá vinha Teresa, de muito longe, para nos contar já ter precisado andar muito para encontrar água. “Desde cedo aprendi que tudo o que existe veio da água. Mesmo nós, que, desde a barriga de nossa mãe, nos cercamos de água”. A personagem nos despertava sensações como a de tomar um copo de água bem gelado e deixar ele ir entrando pelo corpo, ou ainda de lembrar sobre a última vez em que choramos, cada um de nós, sentindo a água que salta pelos olhos e que percorre o rosto. “Nossa, mas também está quente aqui hoje! Podia tanto ter um balão d’água ou uma mangueira para me refrescar, tirar esse suor que sai de minha pele e me sentir mais leve”, disse a mulher, mais adiante.

Aqueles que escolhessem “praça”, por outro lado, se depararam com Ana, uma moradora de Belo Horizonte capaz de nos lembrar sobre as muitas mudanças atravessadas pela cidade – e , principalmente, sobre os rios que, antes, apareciam aos montes nas paisagens da cidade. “Era muito fácil achar um rio, mas hoje estão todos escondidos… Cheio de ruas e carros andando por cima deles… Ai, que nojo! Estão todos sujos. Ah nem, sô! Era muito bom quando acordávamos bem cedinho e podíamos nos banhar nos rios”, dizia a personagem, com o típico sotaque mineiro.

Ao longo da expedição, também conseguimos perceber que na praça há outros lugares onde se pode encontrar água, para além das chamativas fontes ornamentais. Alguns desses lugares são realmente escondidos, como a pia situada embaixo do coreto, usada por várias pessoas que cuidam da praça. Certo tempo depois, vimos algumas pessoas correndo ou ainda passeando com seus cachorros – e nos lembramos de que todas elas, em algum momento, precisariam se refrescar. 

Quando voltamos, por fim, ao CCBB BH, nos deparamos com Conceição, a quem devemos agradecer pela limpeza do museu. Mesmo com sua imensidão, ela conseguia deixar tudo bem limpinho, graças também aos seus colegas que trabalham no prédio.


Mural de memórias e reflexões

Junto ao Coletivo Às Margens, conseguimos trazer o público para comemorar o Dia Mundial da Água ao longo de uma tarde inteira de sábado, percebendo, lúdica e coletivamente, a importância desse bem natural para as nossas vidas. Ao longo do percurso, foi muito enriquecedor ter a ajuda das Caçadoras das Águas, pois, sem Ana, Teresa e Conceição, a mesma tarefa certamente não teria sido tão fácil e tão prazerosa. Felizmente contamos também com um grande envolvimento do público, que se dispôs a sentar, conversar bastante com nossa equipe e se aventurar em nossa proposta. 

Juntos, criamos finalmente um mapa, aproveitando algumas palavras anteriormente penduradas em um varal improvisado e também outras, escritas no decorrer da atividade. E assim, a partir de um jogo instigante e divertido, compartilhamos histórias, reflexões e bebemos muita água – porque uma coisa que dá sede é falar de água.