A edição de dezembro de 2020 do curso Transversalidades convidou a artista educadora Ana Helena Grimaldi à sua primeira participação no Programa CCBB Educativo. Ao longo do encontro virtual, Ana Helena compartilhou generosamente os processos que permearam sua prática como professora de artes visuais na Escola Comunitária de Campinas ao longo do ano de 2020, quando a pandemia de Covid-19 e a consequente adequação das aulas para plataformas virtuais e remotas afetaram o ano letivo de estudantes e professores, propondo desafios e aprendizados. O nome escolhido pela palestrante para conduzir o encontro, “Desvio”, faz referência à alteração de percursos previstos. No entanto, os desvios percorridos por Ana Helena e suas turmas terminaram por mostrar novos caminhos e cartografias possíveis.
Tempo, distâncias e cartografias afetivas
Neste momento de distanciamento social, além da adequação das aulas e da apropriação de recursos tecnológicos, outro importante desafio está nas interações entre estudantes e professores, entre os próprios estudantes e também entre estudantes e conteúdos, no que se refere à criação de conexões e identificação com os temas trabalhados. Relações que Ana Helena conseguiu orquestrar em sua atuação, o que fica perceptível a partir do conjunto de trabalhos de estudantes mostrados ao público durante o encontro.
A professora compartilhou processos que orientaram sua prática, tendo como eixo central a arte contemporânea e como meio, o vídeo. Dentre as criações dos estudantes, estão trabalhos de videoarte, composições fotográficas e sonoras, provocadas a partir da observação do cotidiano e de referências artísticas, inspiradas em temáticas como a passagem do tempo, as interações com a natureza, os deslocamentos e as cartografias.
A respeito desses processos, a convidada ressaltou a importância da articulação de redes com outros artistas, educadores e pesquisadores, trazendo como referência o programa de encontros Práticas Compartidas, idealizado pelo também artista e educador Fábio Tremonte, do qual Ana Helena faz parte. A convidada também destacou experiências de parceria e trabalho conjunto com outros professores e professoras da mesma escola. Por exemplo: junto ao professor de música Caio Petrônio, ela desenvolveu um projeto multimídia de cartografia afetiva em videoarte.
Ao longo do encontro, podemos perceber aspectos importantes das práticas de Ana Helena como artista educadora: a atenção aos processos; a criação autoral e experimental; a formação crítica dos estudantes enquanto indivíduos e corpo coletivo; a multidisciplinaridade nas criações. Ana Helena finaliza o encontro mostrando uma videoarte de sua autoria, direcionada aos estudantes. Com isso, ela demonstra ainda uma postura importante no processo educativo: a docência não se resume a ensinar, observar e orientar, envolve compartilhar, perceber e aprender. Todos criam, professora e estudantes.
Os desvios na relação museu-escola neste novo contexto
No decorrer da apresentação, Ana Helena comentou sobre dois encontros virtuais entre suas turmas de estudantes e grupos de educadores do Museu de Arte Moderna de São Paulo e da Bienal de São Paulo, resultado de uma parceria da professora com essas instituições. Em dado momento da conversa, um dos participantes do webinar questionou a palestrante sobre a potência das visitas virtuais neste momento pandêmico, referindo-se a possíveis maneiras de como educadores/mediadores culturais podem contribuir com os professores e os assuntos trabalhados em sala de aula. Ana Helena, então, respondeu que a visita virtual não pode se propor a ser o que não é: uma visita ao museu.
A partir desta fala da palestrante e da minha vivência como educadora, percebo ser mesmo preciso repensar a relação museu-escola neste momento, já que os encontros virtuais não substituem visitas presenciais a museus e centro culturais. Se, por ora, não é seguro retomar as visitas educativas presenciais com grupos, nós, educadores e mediadores culturais, devemos refletir sobre nossas práticas e aprender com novos recursos e plataformas de encontro virtual, entendendo quais os papéis e as potências desses encontros, já que não se trata de substituições.
Ao compartilhar suas experiências em sala de aula com processos e resultados tão satisfatórios, Ana Helena nos inspira a também buscar possibilidades para nossas ações. Como colocado pela palestrante, é necessário “pensar o afeto e apropriação de recursos tecnológicos na escola – e em outros contextos – como formas de manter vínculos e reimaginar os processos educativos em diálogo com a arte contemporânea”.
Sendo assim, quais seriam os “desvios” que podem se revelar novos caminhos em nossas práticas e pesquisas em mediação e educação em exposições de artes? É verdade que sem visitas escolares presenciais, perdemos o contato direto com a obra, o calor da reunião e a possibilidade de nos movermos juntos pelo espaço. Também já não há a expectativa e a animação de conhecer um novo lugar, nem as surpresas do percurso e a interação no “busão”, aspectos tão importantes e essenciais a uma visita ao museu. Por outro lado, quais seriam as perspectivas enriquecedoras desses novos processos?
A atual conjuntura se revela como um momento propício para reavaliar nossas práticas, assim como articular e estreitar laços com redes de professores e educadores, promovendo trabalhos contínuos com esses agentes e suas turmas. Também faz-se importante o contato e a partilha com profissionais vinculados a outros equipamentos culturais na mesma situação. As visitas virtuais, por exemplo, podem também permitir o acesso de novos públicos que antes não podiam se locomover até os locais, como os moradores de outras cidades, onde não há museus e centros culturais.
Também não podemos deixar de considerar outras barreiras que se tornam ainda mais evidentes neste momento, como a precarização do ensino público, a falta de acesso à internet e outros recursos tecnológicos de parte da comunidade escolar e a acessibilidade dos recursos virtuais para práticas inclusivas. Aspectos estes que necessitam estar presentes em nossas pesquisas e ações, assim como as reflexões e estratégias compartilhadas por Ana Helena Grimaldi.