Que escritora mais marcou a sua vida? Que trecho de um livro ou poema que você leu te fez sentir que aquilo havia sido escrito só pra você? Que emoções essas palavras te trazem? No dia 25 de julho, é comemorado em todo o país o Dia do Escritor, e nós, educadores do Programa CCBB Educativo, preparamos um encontro em que pudemos olhar para as várias formas e os vários lugares da escrita e perceber, a partir desse panorama, os afetos construídos a partir da literatura, da crônica, da crítica e da poesia.
“Toda hora noite e dia
Enfrento o espelho
Abro a porta num ímpeto
Encaro a mim mesmo”
(Clarice Treml)
Fizemos um convite primário: que os participantes trouxessem uma frase ou um trecho de um texto escrito por qualquer autora ou autor com quem se identificassem. Depois de uma breve leitura em voz alta, eles foram convidados a compartilhar os motivos da escolha.
Com esse processo de se enxergar no texto de outra autora ou autor, nossa intenção era criar um espaço de troca e acolhimento, mas também provocar nos participantes exercícios de auto reflexão. Ao longo da atividade, pudemos perceber como muito do que somos também existe em outros – e que, a partir da escrita, somos capazes de nos identificarmos até mesmo com aquelas e aqueles que pouco conhecemos.
“Subjetividade.
A dor do outro, nem sempre me dói.
Nem sempre a minha dor nele dói.
E ser paisagem por vezes me basta.”
(Raquel Pedrosa)
Encontros e desencontros
Ao longo da atividade, entendemos que algumas pessoas poderiam não querer se expor, e ao mesmo tempo fomos surpreendidos pelo engajamento de outras nessa partilha e nas narrativas que envolviam os trechos selecionados. Muitas relações de amor, dor e perda haviam sido remediadas com aqueles pequenos textos, que ali pulsavam como uma companhia viva e compreensiva – aquela que sabe as palavras que precisamos ouvir (ou ler) em determinados momentos da vida.
Percebemos, ao mesmo tempo, que os trechos diziam muito sobre quem éramos no momento em que os lemos e aquilo nos tocou, nos afetou. Caso os mesmos encontros acontecessem em outros momentos, por exemplo, os saberes e experiências contidas em cada texto poderiam ter passado despercebidos.
“Não sei o que sou
uma só alma-corpo
mas quero ser
quero só ser
ser paisagem”
(Márcia Luz)
Carolina, Conceição, Beatriz e muitas mulheres
Enquanto um grupo de educadoras e educadores, antes mesmo da atividade nós já havíamos conversado sobre um incômodo coletivo sobre o nome oficial da data comemorativa: “Dia do Escritor”. Celebrado na véspera do Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, trocamos muito sobre a importância de dar visibilidade às mulheres que, assim como os mais reconhecidos escritores, nos presentearam com narrativas vindas de lugares, corpos e linguagens diversas.
Mesmo não sendo tão popularizadas quanto nomes como Machado de Assis e Guimarães Rosa, por exemplo, tais mulheres também falam, a partir de suas próprias perspectivas, sobre um “Brasil de verdade”. Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo (foto), Beatriz Nascimento e Jarid Arraes foram alguns dos nomes lembrados em meio a um oceano de possibilidades. Trouxemos essas e outras referências num mural do Padlet para serem acessadas posteriormente, e para pensarmos nas escrevivências e vivências que nós carregamos e que muitas vezes ficam apenas dentro de nós.
Escrevivências, aliás, é um termo criado pela escritora Conceição Evaristo para dar nome à escrita que nasce do cotidiano e das lembranças, de experiências individuais e coletivas daquela ou daquele que escreve. Para nossa surpresa, o encontro tomou um caminho inesperado justamente porque as escritoras (sim, escritoras!) que estavam conosco tinham bastante para compartilhar. Ainda bem.
“sentir saudade
ter sonhos de passagem
estar na bagagem de alguém…”
(Érika Amélia )
Apenas uma palavra
Na sequência dessa troca, propusemos que os participantes sintetizassem em uma só palavra ou expressão o trecho do texto escolhido lá no início. Em seguida, usando essas palavras soltas como retalhos, pedimos que cada um fizesse sua própria costura daquela experiência coletiva.
Foi bonito ver nascerem novos textos, e perceber como cada palavra foi ressignificada nessas novas escritas. A partir de uma mesma matéria prima, a vivência da atividade foi lapidada de formas distintas e até mesmo mágicas.
As dores compartilhadas no início, por exemplo, já não estavam mais presentes nas produções finais. Agora, os escritos eram mais otimistas e leves, carregados de afeto e esperança – mas seja no início ou no final da atividade, em todos os momentos pudemos perceber como a palavra mobiliza emoções e como a escrita é uma materialização generosa que nos permite acessar tudo isso.
“Conectando palavras,
a saudade se faz presente
em prosa, poesia e progresso.
Escrever traz felicidade na jornada da vida!”
(Laila Azevedo)