Em fevereiro de 2020, o Programa CCBB Educativo – Arte & Educação recebeu, no curso Transversalidades, a educadora Arlene Von Sohsten, diretora do Espaço Cultural Renato Russo. Para além da experiência como gestora, sua trajetória como educadora no Projeto Mediato, com enfoque em mediação teatral, constrói seu saber e lhe dá elementos para refletir a respeito do papel do corpo na apreensão da experiência, entendendo-o como instrumento de mediação artística. Partindo do conceito de “experiência” cunhado pelo pensador e educador espanhol Jorge Larrosa, Arlene Von Sohsten desdobra em múltiplas possibilidades de sentidos os efeitos despertados no corpo a partir da fruição estética, e neste encontro compartilha com o público a experiência do projeto de que faz parte, no qual a mediação teatral se apresenta como ponte para a experiência – experiência esta que aqui é potencializada, dilatada.
Em museus e centros culturais, o debate e a prática de mediação em artes é bastante comum, sendo a atividade frequentemente entendida como um fazer pedagógico que visa a aproximação do público, especialmente de públicos escolares, em direção a práticas artísticas. Ao longo de sua visita ao CCBB DF, a convidada nos deu a oportunidade de experienciar o que é sentir, no e com o corpo, a mediação. O encontro foi dividido em três momentos: experimentação, fala e compartilhamento de experiências com as educadoras e educadores ali presentes.
Sem presença é impossível desfiar
Ao chegarmos, o convite para aterrarmos e estarmos presentes começou sem que de fato nos déssemos conta. Trânsito, rotina escolar, problemas pessoais, impasses da vida cotidiana e coletiva: todas essas situações vão orbitando nossas mentes, de forma que, quando percebemos, já não estamos presentes nem cientes do que de fato está acontecendo diante dos nossos olhos. Muitas vezes, por outro lado, sabemos apenas o que está se passando, e não fazemos mais do que imaginar a sensação de presença. A “experiência”, aqui, com Arlene, parafraseando o educador Larrosa diz respeito ao seguinte: uma pessoa, de forma subjetiva), em um tempo-espaço que não pode ser controlado ou planejado previamente. Sem presença, portanto, não há experiência.
Sendo, então, singular, contraditoriamente plural, único, irrepetível, sensível, tudo o que nos acontece, nos toca e modifica nossa experiência deve ser percebido como uma preciosidade. Pouco a pouco, desde o início do encontro, nossos corpos se dilataram sem que pudéssemos perceber. Arlene nos chamou a respirar e efetivamente chegar ao CCBB DF, à sala do educativo e ao estar naquele momento, compartilhando o mesmo espaço. Durante algum tempo, permanecemos em silêncio, percebendo o corpo e as sensações que nos atravessava naquele momento. Respiramos, nos conectamos, e enfim chegamos a estado meditativo: fomos guiados ao estado presente.
No momento seguinte, cada um dos participantes recebeu uma imagem bem detalhada e ampliada. Em algumas das fotografias, era impossível reconhecer o lugar exato onde haviam sido produzidas. Curiosos, olhamos as imagens na tentativa desse reconhecimento, buscando descobrir onde se encaixava cada peça daquele quebra-cabeças. Em seguida, caminhamos juntos, ainda em silêncio, ao Casulo, parque que ocupa o jardim do CCBB DF, desenhado pelo artista plástico Darlan Rosa e bastante conhecido pelo público frequentador. Ali se deu um momento de observação, experimentações, toque e interações com o parque.
Esse primeiro momento de nosso encontro gira em torno da possibilidade de dilatações da experiência, do contato, de possíveis fruições partindo de uma ação mediadora. A dinâmica se encerra no momento em que, coletivamente, percebemos que as “pistas” anteriores foram fundamentais para a relação que, individualmente, cada um estabeleceu com o parque, sem perceber que anteriormente já o estávamos experienciando.
Mediato e dilatações
A partir dessa proposta, a convidada Arlene Von Sohsten nos permitiu acessar uma “experiência”, conforme o conceito de Jorge Larrosa. Para que isso acontecesse, ela propôs, pedagogicamente, ações que dilataram o momento vivido. Pudemos sentir a experiência com nossos corpos e nossa presença, sem que fosse preciso entrar verbalmente no assunto.
São ações como essa que acontecem, na prática, durante os processos de mediação do projeto Mediato, que desde 2014 vem atuando junto a escolas públicas do Distrito Federal. Idealizado para atender professores e estudantes do Ensino Médio, seguindo critérios de distância geográfica e vulnerabilidade social, o projeto se propõe a realizar apresentações de espetáculos em diferentes regiões, compreendendo os períodos diurno e noturno. Conforme nos conta Arlene, esses contatos envolvem não só assistir às obras teatrais, mas também estar em contato com os artistas a partir de bate-papos que se constituem como processos de mediação pré e pós-espetáculo, contando ainda com o apoio de um caderno de mediação.
Ao socializar sua experiência de mediação teatral no projeto Mediato, Arlene nos estimulou a perceber a importância do acompanhamento constante em contextos de fazer pedagógico. Essas dilatações, exemplificadas pela mediação pré-espetáculo, o bate-papo e o contato com a cenografia, têm a capacidade de provocar nos espectadores um contato menos superficial em relação ao que acessamos ao “apenas” assistir uma peça. Na visão de Arlene, a preparação dos estudantes em etapas prévias à apresentação das peças proporciona a construção de laços com os temas, o espaço e a própria linguagem teatral. “O pré-espetáculo é a dilatação dos sentidos para a experiência estética. Uma espécie de sensibilização”, defende Arlene. É um abrir os poros, tornar mais vivo. Para Maria Beatriz Medeiros, referência teórica presente no trabalho da convidada “um sensibilizar para a aisthesis não instrui nem constrói, apenas abre os poros comunicacionais do corpo do ser humano”. Seria esse o trabalho da mediação.
Abrir os poros, aqui, é essencial para a experiência: é essa abertura que afofa o terreno, prepara a pele e abre os caminhos. Segundo Arlene, a importância da dilatação estaria justamente nos movimentos de se aproximar e se distanciar, entendendo-os como aspectos intrínsecos à mediação. “Em um elevado edifício experimenta-se um olhar amplo, do todo. Dentro da cidade não há mais a visão abrangente, mas ganha-se um olhar íntimo, das partes. Este momento, imerso e envolto, permite aprender sobre casas, prédios (suas fachadas e seus interiores) a respeito de ruas, carros, bicicletas, jardins (e seus ruídos), acerca da vida urbana e seu ritmo. Analogamente, os processos de mediação tencionam experienciar estes distintos movimentos do olhar: o de dentro e o de fora, o próximo e o distante, os detalhes e o todo”, compara a convidada.