Em uma tarde de quinta-feira, 26 de setembro, o CCBB DF recebeu a especialista em acessibilidade Bárbara Barbosa, que abordou temas relacionados aos diversos recursos e meios para garantia de acessibilidade em espaços culturais. Por meio desses recursos, foram abordados as legislações que tratam sobre acessibilidade, em uma discussão de grande importância para todos aqueles que tenham interesse em participar de editais de projetos culturais. Ao longo do encontro, a convidada propôs uma ampla reflexão sobre a acessibilidade de espaços culturais, assim como ofereceu aos participantes a oportunidade de experimentarem situações sociais bastante comuns a pessoas portadoras de deficiências físicas.
Em Libras, a convidada iniciou sua fala com uma espécie de desabafo sobre as dificuldades de estar em eventos que não têm estruturas acessíveis em diversas instâncias, visto que, de um modo geral, as ações “com acessibilidade” passam por adaptações ao invés de serem devidamente pensadas a partir da diversidade de especificidades dos públicos. Atônitos, muitos dos participantes visivelmente não estavam familiarizados com a segunda língua oficial do Brasil e não entenderam o conteúdo que Bárbara estava comunicando.
Quando um dos participantes se mostrou preocupado com a possibilidade de todo o curso ser ministrado em Libras, a convidada explicou tratar-se de um exercício capaz de revelar como muitas pessoas surdas se sentem ao entrar em espaços nos quais sua língua não é viabilizada, nem se encontra intérpretes e tradutores de Libras.
Conversamos ainda sobre as dificuldades para encontrar lugares com acessibilidade em Brasília. Mesmo reconhecendo um movimento recente para a criação de ambientes inclusivos a pessoas com todos os tipos de deficiência, sobretudo mobilidade reduzida, cegos, autistas e surdos, entendemos que tais medidas ainda se dão somente por meio de leis, projetos e políticas públicas.
Diante desse contexto, tais pessoas muitas vezes se sentem desmotivadas a frequentar espaços culturais, negligenciando experiências artísticas por receio de não se sentirem confortáveis ou incluídas frente a suas especificidades. Ao final da discussão, chegamos à importância da inserção desses grupos em instituições culturais, considerando como direitos desses sujeitos ocupar, transitar e permanecer em qualquer ambiente de maneira plena, digna e inclusiva.
Caminhando com os olhos vendados
A convidada propôs, a seguir, uma dinâmica que se constituiu da seguinte maneira: no primeiro momento, Bárbara pediu que as pessoas que usassem óculos ou lentes de contato se retirassem da sala, uma vez que, segundo ela, “a atividade não foi pensada para esse público”. Essa fala causou estranheza aos participantes, mas a intenção da convidada era justamente promover tal desconforto.
As pessoas que permaneceram dentro da sala foram, então, apresentadas à proposta da atividade, que consistia em um aprendizado sobre como guiar uma pessoa não vidente. Bárbara compartilhou com o grupo algumas orientações sobre a postura de uma pessoa que se propõe a guiar alguém cego: qual braço deve ser estendido, quais trajetos devem ser percorridos, quais caminhos devem ser evitados por conta de elevações e buracos etc. Depois dessas explicações, Bárbara foi ao encontro dos participantes “excluídos” da dinâmica. Ela perguntou o que eles tinham sentido ao serem deslocados de uma atividade devido a uma característica física, e o desconforto e o constrangimento foram sentimentos unânimes.
Passado esse momento, a convidada explicou a dinâmica para os participantes que até então esperavam do lado de fora, ressaltando que o objetivo principal era entender como abordar e se mostrar disponível àqueles que têm especificidades visuais, enfatizando que não se tratava de uma tentativa de compreender o lugar da deficiência dessas pessoas, mas de afirmar como pessoas sem deficiência podem facilitar os percursos de outras, caso sejam confrontadas por situações em que isso se faça necessário.
No terceiro e último momento da atividade, Bárbara colocou vendas nos participantes que usavam óculos ou lentes de contato, e os que tinham permanecido na sala agora teriam que guiar os participantes vendados, utilizando e colocando em prática os conselhos dados no primeiro momento da dinâmica. Ao longo do trajeto, ambos podiam perceber e avaliar a acessibilidade arquitetônica oferecida pelo edifício, verificando, por exemplo, se o piso tátil levava a lugares úteis.
A esse respeito, Bárbara apresentaria mais adiante exemplos de algumas instituições que aplicam pisos táteis sem considerar os trajetos definidos, explicando que muitas vezes a acessibilidade para pessoas cegas acarreta em desperdício de dinheiro, sobretudo quando não há um especialista da área para orientar e fiscalizar como e quais recursos estão sendo utilizados para oferecer acessibilidade arquitetônica para alguns grupos.
Perspectivas de acessibilidade
No final da dinâmica, quando todos se encontraram novamente e sem vendas nos olhos, a convidada pediu que alguns participantes compartilhassem suas experiências durante a atividade, apontando os sentimentos que os atravessaram ao longo da caminhada. Alguns falaram, por exemplo, que o formulário de inscrição da atividade poderia trazer campos onde as pessoas pudessem identificar e explicar suas especificidades, assim como a demanda por algum tipo de acessibilidade. Na visão do grupo, isso facilitaria a pensar cada evento a partir de demandas específicas, em vez de tratar as atividades como supostamente acessíveis.
Concordamos ainda que a acessibilidade começa em pequenas ações como essas, nos formulários de inscrição, a partir dos quais as instituições podem conhecer melhor seus públicos, suas especificidades e, assim, começar a planejar formas de oferecer inclusão. Entre as medidas discutidas, foram citadas a contratação de guias-intérpretes, tradutores de libras, assim como o aprimoramento de sua estruturas físicas para estimular o conforto de autistas, cegos e pessoas com mobilidade reduzida, entre outros.
Entendemos, juntos, que a acessibilidade começa no planejamento, e que ações como essas criam relações de afeto com quem precisa desse atendimento, fornecendo acolhimento e senso de pertencimento a esses locais, assim como estimulando a fruição afetiva e a vontade de se apropriar de espaços públicos que, por direito, pertencem a todos de maneira democrática.
Conversamos também sobre o desenho universal, ou ainda projeto universal, como é conhecido por alguns. O desenho universal é o processo de desenvolver tecnologias ou produtos que venham a ser acessíveis para todos, esse “todo”, para o desenho universal engloba todos os sujeitos, não fazendo distinção entre as características físicas, de raça, gênero, sexualidade, classe social e habilidade sensoriais e físicas. O objetivo do desenho universal não é criar tecnologias acessíveis apenas para aqueles que necessitam de algum atendimento especial, mas tornar os ambientes acessíveis para todo os públicos, garantindo segurança e autonomia para quem for usufruir de determinados espaços culturais, assim como democratizando o acesso a cultura os mais variados públicos. É importante considerar que cada indivíduo tem especificidades que o acompanham desde o momento em que sai de sua casa até o momento em que retorna, considerando planejamento, percurso, acesso e alimentação, entre outras atividades.
Por fim, a convidada nos apresentou alguns documentos que mostram as etapas necessárias para o planejamento de eventos, dentre os quais “Mudanças nos Procedimentos da Lei Federal de Incentivo à Cultura”, “Incluir brincando: guia do brincar inclusivo”, “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, “Acessibilidade nos Bens Imóveis: possibilidades e limites nos museus e centros culturais”, “Guia da Acessibilidade Cultural”. Todos esses documentos foram compartilhados com os participantes do curso, abrindo uma porta para o conhecimento daqueles que se interessam por acessibilidade, arte e cultura.