A frase “eu sou o meu estilo”, escrita por Paul Klee em 1902, é uma das mais célebres citações do artista suíço, cujo trabalho se desdobra em diferentes linguagens e tendências. “Ela se refere ao processo de criação artística, deixando o visitante entender as obras como um jogo de auto-representação da arte”, analisa Pedro Castilho, ao iniciar sua participação na edição de setembro de 2019 do Com a Palavra…,, ao longo da qual propôs uma visita mediada especial à exposição “Paul Klee – Equilíbrio Instável”, em cartaz no CCBB BH entre agosto e novembro de 2019.
Psicanalista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele pesquisa a interface entre arte, psicanálise e cultura. Ao conduzir o grupo de visitantes pelas galerias do centro cultural, direcionou seus olhares para as reflexões artísticas de Paul Klee, levando em conta tanto o contexto de produção das obras como a biografia do artista.
“A influência das artes plásticas, da teoria estética e da psicanálise marcaram a busca incessante de Klee na criação de seu estilo, que se desdobra em grandes formatos, esculturas e desenhos. Além disso, ele viveu períodos de intensas transformações, como as duas Grandes Guerras e a perseguição dos nazistas aos cidadãos judeus na Europa. Tudo isso, embora sejam mudanças sociais e políticas, ecoou muito no trabalho do artista”, examina Pedro Castilho.
Riscado da lista
Um dos episódios mais marcantes dessa época está eternizado no auto retrato “Riscado da Lista”, que data de 1933, quando Paul Klee teve sua casa vasculhada e perdeu o emprego na Academia de Düsseldorf por conta da perseguição do partido nazista, acusando-o de produzir uma “arte degenerada”.
“Embora sua vida tenha esse capítulo bastante doloroso, Paul Klee também transformou em arte elementos de sua imaginação. A célebre série de anjos, por exemplo, ele produz durante vinte anos, entre 1919 e 1940”, conta o pesquisador. “Esses anjos, embora tenham características sublimes, não representam figuras nem um pouco idealizadas – e, ao longo dos anos, ele passa a trazer características humanas para esses anjos. Ao mesmo tempo, são obras que trazem à tona uma dimensão de resto, de abandono.”
Pedro defende que o denominador comum do trabalho de Klee, antes de qualquer característica estilística ou de formato, é a maneira pedagógica como o artista encarava os temas retratados. “Os traços, as cores, e também a própria figura dos fantoches, são pistas que nos mostram a intenção de produzir trabalhos para nos fazer pensar. Os anjos, por exemplo, não nos parecem anjos logo de cara. É preciso realizar um exercício, abstrair muito do que está ali, para enfim enxergar a figura angelical a que estamos acostumados”, exemplifica o pesquisador.
“O mesmo a gente pode pensar dos fantoches, que Klee produziu para entreter o filho, mas nunca impôs a eles personagens específicos, pensados de antemão”, explica. “Pensando nessa prática a partir de questões da psicologia, é possível estabelecer um diálogo com Lacan, na medida em que a arte, neste lugar, está sendo tratada como coisa, deixando de existir na dimensão do sublime. É, portanto, algo que não pertence mais ao belo.”