Desde o advento da modernidade, as construções científicas e sociais da realidade sempre foram baseadas na concepção de espaços com três dimensões e tempos definidos por uma progressão contínua e linear. No entanto, à medida que a tecnologia ganha importância para a produção de sentido, as maneiras como percebemos e apreendemos o real têm sido modificadas e ampliadas: a dimensão virtual, então, passou a ser tangível e alcançável.
As formas de percepção e conhecimento que diferenciam realidade natural e simulada, assim como a relação entre observadores internos e externos, que transitam na realidade ampliada, estão presentes em diversos momentos da história da arte. Para a pesquisadora-artista Suzete Venturelli, professora da Universidade de Brasília (UnB), o debate sobre a ampliação da realidade, considerado em diálogo com a exposição “50 Anos de Realismo: Do Fotorrealismo à Realidade Virtual”, traz o público para dentro de obras artísticas desde os afrescos da antiguidade. “Neles, o observador era envolvido, cercado por todos os lados”, aponta.
Utilizada por gregos e romanos, essa técnica consiste na pintura de temas em tetos ou paredes, presentes principalmente em igrejas e edifícios públicos que, em geral, retratam passagens icônicas da história e possuem função educativa. O paralelo traçado por Suzete Venturelli enxerga essas obras como constructos de uma realidade artificial, na medida em que sua dimensão grandiosa envolve o corpo do observador e o transporta para a cena em questão por meio de artifícios pictóricos.
A mesma ideia estaria presente no Barroco brasileiro. Conforme destaca a pesquisadora, trabalhos como os do Mestre Ataíde (1762-1830) proporcionam ao espectador a sensação de estar dentro da imagem. Nesses casos, a realidade não está em perspectiva: trata-se de uma simulação, ou seja, uma transposição do real que só se torna possível por conta da maneira como o artista trabalhou a imagem, frequentemente aliada à forma como o trabalho é apresentado no espaço expositivo.
Virtualidades e simulações
Conceitualmente, a realidade virtual costuma ser associada a tecnologias de interface entre um usuário e um sistema operacional, geralmente por meio de recursos gráficos. Suzete Venturelli, no entanto, coloca esse conceito em xeque ao tratá-lo como uma qualidade das obras – e principalmente daquelas que propõem a imersão do observador em ambientes específicos e paralelos. Trata-se, portanto, de uma proposição que amplia as sensações e as transforma em objeto para a interpretação imediata da obra. A arte se realiza neste momento: na interação e no presente.
Além de presentificarem a relação com a arte, trabalhos como esses transformam o corpo em uma unidade de acesso às imagens. O comportamento diante disso traz à tona um novo significado e reitera a sensação de imersão no mundo proposto, sobre o qual não é possível afirmar a veracidade, mas faz-se necessário reconhecer a relevância diante da interatividade que, em geral, é proporcionada.
A artificialidade do real construído remonta, desse modo, à ideia de simulação. Esta, por sua vez, possibilita a observação externa. “É uma outra maneira de estar no mundo. Estamos dentro da imagem, mas também estamos fora dela”, comenta Suzete Venturelli. O objetivo é transportar o observador para um novo lugar, no qual ele poderá se desabrigar da presença no mundo. Como exemplo, a pesquisadora-artista cita a maneira como, hoje, é possível observar o globo terrestre sem necessariamente se estar fora dele. As tecnologias que proporcionam essa visão de fora, apesar de suscetíveis a questionamentos, se aproximam da realidade e têm grande aderência, tanto no campo da arte quanto na ciência e na tecnologia.
Uma série de trabalhos contemporâneos utilizam esse artifício para dar visibilidade a dados que, em geral, são invisíveis. Este é o caso do fluxo de informações que atravessa o mundo diariamente por meio da internet, mas que ganha vida em cartografias simuladas que transformam a realidade em matemática. A artista-pesquisadora propõe, então, uma reflexão em torno da própria realidade e da existência mediada. “Se o mundo todo pode ser calculado, então tudo é matemática e talvez seja uma simulação. Ele [o mundo] só existe porque estamos nele. O que acontece quando não mais estamos? O mundo passa a ser diferente?”.