Conhecido como Setembro Azul, o mês especial da comunidade surda visa exaltar a comunidade por sua luta, resistência e valor, assim como homenagear as vítimas surdas de tragédias como o Congresso de Milão, em 1880, e a 2ª Guerra Mundial. Tradicionalmente, o mês de setembro é marcado por diversos eventos da comunidade surda, voltados tanto para a conscientização sobre a acessibilidade como para a comemoração das conquistas obtidas ao longo de muitos anos. A esse respeito, além de honrar a comunidade surda, o mês também corresponde a um momento de comemorar as línguas de sinais do mundo e os intérpretes de língua de sinais.
Convidado a ministrar o encontro do curso Transversalidades em 25 de setembro de 2019, o professor surdo Tales Douglas nos propôs uma reflexão a partir do tema “Linguagem Corporal na Comunicação e Cultura Surda”. Realizada na véspera do Dia Nacional dos Surdos, a ação atendeu a participantes surdos, assim como a professores e outros educadores ouvintes.
O tema escolhido pelo convidado nos permitiu abordar uma série de conhecimentos técnicos e teóricos relacionados ao corpo e às suas possibilidades de comunicação, expressão e linguagem – ferramentas fundamentais que permitem a comunicação entre surdos e ouvintes. Desse modo, um dos objetivos da atividade foi compartilhar construções históricas e culturais que nos ajudam a compreender a importância do corpo no ato comunicacional.
Na cultura surda, a linguagem corporal é uma característica preciosa, pois permite a comunicação de muitas formas, tais como os gestos, as mímicas e o desenho, entre outras. É por meio dessa cultura que os surdos podem entender melhor o mundo, considerando que ela favorece a definição da identidade surda.
Recorrendo, em sua apresentação, a palavras da educadora brasileira Karin Strobel (2008), Tales apresentou da seguinte maneira o conceito: “A cultura surda é entendida como o modo de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das comunidades surdas”.
Da teoria à prática
Após apresentar conteúdos sobre cultura surda, línguas de sinais, a relação entre surdos e ouvintes e os elementos da linguagem corporal, Tales tirou algumas dúvidas do público e nos preparou para a parte final da atividade. Naquele momento, o professor convidou o público para uma dinâmica que envolvia a adivinhação de conhecidos personagens da televisão. Em linhas gerais, a proposta era que cada participante, ao ver a imagem de um personagem projetada no datashow, imitasse o jeito desse personagem para seu companheiro do jogo. Ao outro participante, por outro lado, cabia adivinhar o nome do personagem “imitado”.
A atividade reafirmou sua importância ao permitir que ouvintes experimentassem o contato com surdos, tendo como possibilidade a comunicação a partir de outras modalidades da língua, mais visuais e gestuais. Por meio dessa dinâmica, que fez o público se divertir bastante, os participantes ouvintes puderam, portanto, refletir sobre as próprias limitações e possibilidades de comunicação.
Oficina de pintura
Além do curso oferecido por Tales Douglas, a programação do CCBB BH para o Setembro Azul também incluiu a atividade acessível “Oficina de Pintura com Marcos Anthony”. Realizada em uma tarde de sábado, na mesma semana em que o curso Transversalidades, a ação atendeu o público espontâneo e abordou várias técnicas que fazem parte da experiência de Marcos como artista deficiente auditivo.
Em linhas gerais, o objetivo da atividade era promover uma reflexão acerca das pinturas do artista Paul Klee, presentes na mostra “Equilíbrio Instável”, em cartaz no CCBB BH. Marcos partiu do princípio de que as pinceladas podem transmitir características comportamentais de quem as executa, e os participantes foram convidados a produzirem pinturas a partir de releituras das obras do artista suíço.
Dois surdos participaram da oficina, e os demais participantes eram ouvintes. Um dos surdos pintou e desenhou no mesmo papel, representando movimentos com cores de giz pastel, inspirado em uma das técnicas usadas por Paul Klee. Outro surdo criou mais uma representação do desenho e da pintura no mesmo papel, ao trazer duas mãos sinalizando e uma tesoura , ao lado destas mãos, sugerindo a intenção de cortá-las. As tintas que apareciam no papel representavam sangue, e os números remetiam ao ano de 1880, época em que ocorreu o antes mencionado Congresso de Milão.
Organizado como uma conferência internacional de educadores de surdos o congresso aconteceu entre os dias 6 e 11 de setembro daquele ano. Ao final, o congresso aprovou uma resolução sobre o uso preferencial da língua oral nas escolas. Aos surdos, naquele momento, não seria permitido usar a língua de sinais, e suas mãos, ao sinalizarem, eram comumente machucadas pelos professores ou ainda amarradas com cordas.