Em que situações aprendemos o que sabemos? Em que espaços? Aprendemos somente com quem inicialmente sabe mais, ou por vez nos surpreendemos? Aprendemos mais com a semelhança ou com a diferença? Poderia a arte ensinar, assim como faz a educação? Poderia a educação emocionar, fazer refletir e também criticar, assim como frequentemente acontece na arte? Muito afeita a essas e outras perguntas, a artista, curadora e pesquisadora Mônica Hoff visitou, em junho de 2019, o CCBB BH. Convidada a ministrar uma edição do curso Processos Compartilhados, ela trouxe aos participantes da atividade um amplo vocabulário de conceitos e experiências por meio dos quais têm experimentado a reinvenção de práticas artísticas e educativas, assim como propôs um exercício em que os próprios participantes foram convidados a habitar e reconfigurar alguns dos conceitos apresentados na primeira parte do encontro.
Interessada em aproximar os campos da arte e da educação sem, contudo, fundi-los, Mônica nos apresentou, por exemplo, o conceito de professor-artista, como aquele que pensa arte e educação como campos-autônomos que podem se friccionar. Ela apresentou ainda o documento “21 Notas Para uma Pedagogia Descarada”, em que sugere, a partir de propostas ao mesmo tempo críticas e bem-humoradas, a substituição de modelos e práticas pré-estabelecidas por outras que consideram especificidades e particularidades dos seus públicos e contextos de atuação. Sobre o convívio entre essas práticas e as múltiplas instituições que organizam a cultura, a convidada ressaltou a importância de atuar “taticamente dentro” e “estrategicamente fora”, nos alertando ainda ao risco de “capturas programáticas”, “agendas institucionalizadas” e dos perigosos “gases institucionais paralisantes”.
Buscando ampliar a visão que geralmente temos sobre práticas e processos educativos, a pesquisadora nos lembrou de que não somente as boas, mas também as más práticas têm caráter educativo. “Tudo o que não se chama de educativo também é educativo”, desenhou com palavras, nos conduzindo a conceitos como “contrapedagogias” e “pedagogias do poder”. Mônica ressaltou também a importância da educação como um fazer político e artístico – um fazer que não pode ser automåtico. Entre as vozes que trouxe à conversa, citou o educador Paulo Freire e o artista Hélio Oiticica como professores-provocadores, ambos interessados, em suas distintas práticas e campos de atuação, na criação de processos fundamentalmente colaborativos e coletivos.
Aos professores-artistas ou professores-provocadores interessaria, em sua visão, provocar sobretudo situações de encontro e espaços heterogêneos. “Trabalhar de forma transversal, irregular, ambulante e intergeracional, explorando possibilidades de jogar com o tempo e os diferentes tipos de envolvimento”, sintetiza. Interessaria ainda, também a esse respeito, experimentar diferentes escalas de relações, a partir de uma atitude que recusa o gigantismo como imperativo e afirma a importância de trabalhar em pequenos grupos.
A partir de atitudes como essas, Mônica vislumbra processos de aprendizado que podem se dar com prazer, alegria e crítica, assim como podem incluir, em suas metodologias, atividades como rituais e festas. Guiada pelo conceito de imaginação política, que associa à possibilidade de capturar algo do mundo e devolvê-lo como se fosse a primeira vez, ela dedica seu trabalho à criação de processos que ainda não existem e nem têm nome. Não por acaso, então, suas práticas costumam ser atravessadas por “lugares molhados” e “pedagogias a pé”, por vez nos levando a situações de “horizontalidade refrescante” nas quais, finalmente, algum tipo de “viver bem” passa a ser possível.
Espaços de encontro e colaboração
Como, no entanto, trazer à prática esse amplo conjunto de conceitos? Como forma de responder a essa pergunta, assim como ativar outras respostas, Mônica Hoff reservou à segunda parte do encontro um rico conjunto de atividades realizadas ao longo de sua trajetória profissional. O primeiro exemplo trazido pela pesquisadora se refere à própria experiência na Bienal do Mercosul, dentro da qual respondeu pela coordenação pedagógica entre 2006 e 2014.
Convidada a atuar como curadora adjunta do evento em 2013, quando Porto Alegre recebeu a 9ª Bienal do Mercosul, Mônica se deparou com os desafios de quebrar a compartimentação das atividades dentro da programação e criar diversidade dentro dos grupos de trabalho. Entre as estratégias elaboradas para driblar esse contexto, a programação ofereceu ao público uma série de micro-residências em espaços da cidade tão diversos quanto escolas e oficinas de trabalho. A partir dessa estratégia, nos conta a pesquisadora, foi possível reunir pessoas relacionadas a vários campos de conhecimento e ao mesmo tempo fortalecer um entendimento coletivo de que a arte contemporânea contém vários campos de conhecimento, assim como distintas abordagens para cada um desses campos.
Outra ação desenvolvida no mesmo evento trazia um convite para que o público visitasse aldeias indígenas da região. Entendendo educação, encontro e troca em pé de igualdade, chegando às aldeias o público tinha acesso a um processo de formação que destacava conhecimentos sobre agricultura, astronomia e clima, tal como outros saberes não necessariamente acadêmicos. Conduzida exclusivamente por mediadores, também integrou a programação da 9ª Bienal do Mercosul uma ação intitulada “Escola Caseira de Invenções”. Com agenda aberta à proposição pública de oficinas, o espaço que recebeu a ação se consolidou ainda como um ponto de permanência dos visitantes dentro da instituição, onde os mesmos podiam se sentar, conversar ou até mesmo comer e beber alguma coisa.
Alguns anos mais tarde, já vivendo em Florianópolis, Mônica foi uma das responsåveis por realizar a ação “Oficina Pública de Perguntas” (2016). A convidada conta que a primeira edição da oficina teve lugar à beira de uma lagoa bastante frequentada por moradores da cidade, rapidamente chamando a atenção de crianças e famílias e constituindo um amplo e curioso “arquivo público de perguntas”. Mais adiante, complementa a pesquisadora, foram realizadas novas edições em outros contextos da cidade e também em outras cidades, atingindo públicos de diferentes origens, faixas etárias e experiências sociais, incluindo, por vezes, populações em situação de rua e também pessoas em tratamento de saúde mental. Realizado a partir de uma dinâmica bastante simples, em que papéis e canetas eram livremente disponibilizados ao público, o projeto é apresentado pela pesquisadora como uma ação que poderia ser entendida, ao mesmo tempo, dentro dos campos da curadoria, da arte e da educação.
Em 2018, por outro lado, Mônica esteve envolvida na Escola Extraordinária da Embarcação, também realizada na capital catarinense. Conforme relata a curadora, a atividade compreendeu conversas públicas, oficinas e um seminário na rua, além de refeições coletivas e ações articuladas com a comunidade local. A definição dos artistas convidados, ressalta, levou em consideração a diversidade de metodologias, práticas e debates propostos em cada escola – e também a soma de todas. Concebida, essencialmente, como um contexto de investigação e partilha de questões, a Escola Extraordinåria é sintetizada pela pesquisadora como um espaço propício a “ensinar e compartilhar o que na verdade queremos aprender”.
Como habitar conceitos e instituições culturais?
Como proposta para o terceiro e último momento do encontro, Mônica Hoff trouxe, não por acaso, uma atividade prática que rompia qualquer tipo de hierarquia estabelecida até então. Em suma, a convidada provocou os participantes a “compor ideias do chão”, usando, para isso, termos, conceitos e teorias discutidas nos momentos anteriores do encontro. “Nosso desafio é construir um pensamento coletivo e visual, um pensamento que se desloca a partir da inserção de novos termos e conceitos”, lançou a artista, convidando os demais a espacializarem os conceitos antes trabalhados e também os próprios pensamentos a partir desses conceitos.
Rapidamente, então, algumas palavras e expressões começaram a surgir no chão: “arte”, “educação”, “pedagogia”, “pedagogias do poder”, “pedagogias da libertação”, “contrapedagogias”, “taticamente dentro”, “estrategicamente fora” e por aí caminhamos. Também houve espaço para a introdução de outros conceitos, a exemplo da ideia de “mediocridade laboriosa”, trazida por uma participante como citação ao arquiteto, urbanista e gestor público Jaime Lerner, como uma crítica aos entraves burocráticos e institucionais que por vezes atravancam processos e práticas artísticas e educativas. A partir de uma intencional bagunça epistemológica, o mapa coletivo atravessou tentativas de ordem e caos, assim como momentos de saturação de ideias e conceitos. “Pode mover a proposta do outro?”, alguém perguntou. “Há vários modos de fazer isso”, garantiu a convidada, de bate-pronto, reconhecendo jogo que provoca desconforto.
Durante a conversa coletiva que encerrou a atividade, a pesquisadora pôde desvendar algumas dúvidas dos participantes ao estabelecer relações entre alguns dos conceitos que guiaram as dinâmicas. Em sua perspectiva, por exemplo, as “contrapedagogias” podem ser entendidas como atitudes que questionam o poder na prática – “colocando as pedagogias da libertação para andar”. Aos educadores e educadoras, por outro lado, caberia educar as instituições – e já não propriamente o público visitante. “Antes de gostar de arte, o público precisa se sentir bem dentro de uma instituição. Se não se sente, o problema é da arte. Primeiro vai se sentir bem dentro do prédio, para depois entrar na exposição”, finalizou a convidada, propondo aos participantes uma reflexão sobre como, efetivamente, nossos corpos habitam eventos, instituições e centros culturais.