Reunindo diferentes práticas e repertórios nos campos da arte, do design, da aprendizagem, da arquitetura e da tecnologia, o coletivo O Grupo Inteiro foi convidado para conduzir a edição de dezembro do curso Processos Compartilhados, no CCBB SP. Sob o tema “Infraestruturas e convivialidades”, nos debruçamos em uma conversa sobre as diferente formas de lidar com a realidades, destacando as estratégias do design, da arquitetura e das artes para influenciar nossas relações com os espaços que habitamos.
Entre os principais trabalhos apresentados pelo grupo, figura a obra “Condutores”, uma instalação construída a partir de hastes de apoio tipicamente encontradas nas estruturas internas de ônibus. A partir de dimensões lúdicas e pedagógicas, a instalação oferece a participantes e espectadores a possibilidade de elaborar relações entre os veículos de transporte público e o brinquedo “trepa-trepa”, bastante comum em parques e playgrounds.
Em determinado momento da discussão, o grupo compartilhou algumas diferenças percebidas entre distintos contextos onde esteve a obra “Condutores”: o vão do Masp, em uma área nobre de São Paulo, e o Sesc Interlagos, na zona sul da cidade. Enquanto, no Masp, existiu uma grande preocupação com as crianças ao usarem os brinquedos, incluindo proteções de segurança e uma equipe de socorro, o contexto do SESC Interlagos proporcionou uma experiência bastante diferente.
Na nova experiência da obra, não houve equipes para receber e acompanhar as crianças na obra, nem equipes de socorristas para atuar caso fosse necessário: a instalação ficava do lado de fora do edifício, no gramado, e as crianças podiam subir, descer, cair e brincar livremente.
Infância, raça e classe
A partir dessas diferenças bastante nítidas, conversamos sobre processos de infantilização sofridos por muitas crianças, considerando aspectos como o exagero da proteção no brincar e o excesso de cuidado para não cair, por exemplo. E à medida que nos aprofundamos no debate sobre infantilização, outros questionamentos foram surgindo: quem seriam, exatamente, essas crianças infantilizadas? Seria essa uma experiência específica ou universal?
Se falamos de crianças negras e periféricas, por exemplo, o que ocorre na maior parte dos casos é um processo de adultização – e não é preciso uma pesquisa muito extensa para compreendermos alguns fatos que sustentam e explicam esse apontamento. Ao olharmos, nas grandes capitais, para as periferias, favelas e zonas mais afastadas, encontramos um número muito maior de pessoas negras. A partir dessa constatação, podemos começar a entender as distintas formas de lidar com diferentes públicos.
Ao se apresentar como uma estrutura muito parecida com o interior de um ônibus, a instalação nos convida a pensar, por exemplo, sobre quem utiliza e quem não utiliza o transporte público da cidade, de modo que algumas crianças estariam, portanto, mais habituadas do que outras em relação à proposta do grupo.
A partir do exemplo trazido pelo coletivo, podemos perceber, portanto, os diferentes tratamentos atribuídos às crianças de acordo com suas específicas condições econômicas – as quais, no contexto brasileiro, não podemos separar de raça.
Em nosso território, afinal, é comum que meninas negras sejam consideradas “menos inocentes”, e isso frequentemente se torna justificativa para abusos e situações de exploração do trabalho, por exemplo. Meninos negros, por outro lado, carregam desde muito cedo o fardo de serem confundidos com bandidos, assaltantes e ladrões, e isso comumente se torna justificativa para chacinas e assassinatos desses jovens.