O Programa CCBB Educativo – Arte & Educação realizou em maio de 2021 um encontro virtual do curso Transversalidades, com o tema “Das histórias: Arte e educação no contexto da Escolinha de Arte do Brasil”. Conduzido pelo professor e pesquisador Sidiney Peterson de Lima, o curso tratou de apresentar os arquivos analisados em suas investigações acadêmicas sobre as Escolinhas de Arte do Brasil (EAB) de São Paulo e do Rio de Janeiro e também sobre o Curso Intensivo de Arte Educação (CIAE), responsável pela formação de arte educadores.
Apresentando sua pesquisa como um caminho dentre tantos outros sobre a história da Arte Educação no Brasil, Sidiney ressalta a importância de elaborarmos, nos dias de hoje, arquivos experimentais, para que no futuro haja novas maneiras de olhar para a história, não só a partir de discursos oficiais. Deste modo, entendo que este texto, ao integrar o Arquivo Vivo de um programa educativo que atua na educação não formal, contribui para pensarmos os registros de suas atividades para o futuro: é a partir de arquivos do passado que Sidiney persegue um dos caminhos que nos trouxeram ao modo como pensamos Arte Educação nos dias atuais.
Escolinha de Arte do Brasil (EAB)
A primeira Escolinha de Arte do Brasil surge no Rio de Janeiro, no ano de 1948, impulsionada por uma exposição ocorrida no Museu Nacional do Rio, com desenhos de crianças inglesas. A esse respeito, Sidiney compartilha arquivos fotográficos de uma outra exposição realizada na mesma época, dessa vez feita por crianças argentinas e menos considerada pelos estudiosos do campo. A apresentação daquela exposição havia sido feita pelo crítico de arte inglês Herbert Read, autor do livro “Education through Art” (Educação pela Arte), em 1943. E àquela altura, a mesma exposição foi visitada por Augusto Rodrigues, arte educador pernambucano que mais adiante idealizaria a EAB no Rio.
Sidiney nos conta que, ao longo dos anos, diversos artistas-educadores acompanharam e fundamentaram as aulas da escolinha. Junto a Augusto Rodrigues, havia outras duas fundadoras: a artista e educadora gaúcha Lúcia Alencastro Valentim e a escultora estadunidense Margareth Spencer. Em um depoimento exibido pelo convidado, Lúcia destaca que durante as aulas não havia propostas definidas ou horários rígidos, permitindo que os professores tivessem liberdade em seus planejamentos de ensino. Naquele período, as aulas eram pensadas apenas para as crianças, trabalhando principalmente o desenho, a pintura e o teatro. Os professores eram especialistas no assunto, dentre os quais Vânia Granja, Eduardo Sued, Vera Tormenta, Oswaldo Goeldi, Augusto Rodrigues, Abelardo Zaluar e Poty Lazzarotto.
Posteriormente, nos anos 1950, a Escolinha cresce e passa a atender também adolescentes e adultos. Suas atividades passam a abranger também aulas de dança, com a bailarina argentina Maria Fux, e cursos de História e Crítica de Arte Moderna, com o professor Carlos Cavalcante. A partir dessas experiências, a EAB passa a chamar atenção de professores e artistas, e muitas exposições de arte produzida por crianças, intituladas de “arte infantil” foram realizadas naquela época, convertendo-se em um meio de fazer circular a metodologia de ensino da EAB e seus múltiplos desdobramentos.
Surge então o Movimento Escolinhas de Arte (MEA), e novas escolinhas vão surgindo por todo o Brasil. Fazendo referência a palavras de Ana Mae Barbosa, Sidiney destaca que as EAB não funcionavam como filiais, mas aproximavam seus objetivos e seus modos de pensar a importância da Arte Educação. Dentre as lutas travadas pela EAB, ele ressalta a defesa da arte como disciplina na educação formal, que até então desconsiderava práticas relacionadas às artes visuais, à dança, à música e ao teatro.
Em linhas gerais, as escolinhas de artes eram comumente fundadas por professores que visitavam alguma unidade da escola, seja para ver uma exposição ou para observar o trabalho sendo realizado. Ao retornar aos seus lugares de trabalho, esses professores e professoras fundavam uma nova EAB dentro dos mesmos preceitos, dentre os quais a defesa da educação pela arte. Esse movimento aconteceu em diferentes partes do Brasil e até mesmo no exterior, com algumas escolinhas inauguradas em outros países da América do Sul e também em Portugal.
Curso Intensivo de Arte na Educação (CIAE)
A arte, como atividade e não como disciplina, só vai aparecer na legislação em 1971, e a criação dos cursos polivalentes de Educação Artística acontece somente em 1973. No entanto, Sidiney aponta que antes disso já havia um pensamento de formação de educadores em Artes pela EAB, e isso se dava com o Curso Intensivo de Arte na Educação (CIAE).
Baseando-se em estudos voltados às atividades da escola entre os anos de 1961 e 1981, Sidiney relaciona alguns objetivos específicos que serviram de base para o CIAE – e naturalmente se modificaram até a década de 1990. De um modo geral, os cursos fomentavam um pensamento reflexivo e prático sobre arte e sobre a própria Escolinha, provocando desdobramentos tanto na educação não formal como no ensino formal, já que boa parte dos seus estudantes lecionavam em escolas.
Segundo o convidado, o grande desejo da EAB era preparar professores e professoras que já atuavam na educação formal, assim como capacitar profissionais para atuar em futuras escolinhas de arte. Em 1961, ano de criação do CIAE, existiam 23 escolinhas. Ao final da década de 1960, o Movimento Escolinhas de Arte alcançou 144 unidades. Criadora de uma das primeiras escolinhas do país, a educadora pernambucana Noemia Varela esteve no comando do CIAE pelos primeiros 20 anos da instituição. Noemia foi também reconhecida como uma referência em acessibilidade, já que em sua escolinha, de modo pioneiro, eram recebidas “crianças deficientes” – termo usado na época para todos os tipos de deficiência.
“Mas, que devemos pensar da formação do arte-educador? Quais as relações da arte com a educação que poderão melhor delimitar o lugar e a natureza do processo de formação do arte-educador? O que dá mais a pensar sobre essa questão e que ainda não foi pensado?
Que é necessário desaprender para encontrar o caminho mais sábio que nos leve à elaboração mais rica do processo de formação do arte-educador?”
(Noemia Varela, 1986)
Caminhos de pesquisa e formação
Sidiney destaca que, ao longo dos anos, diversos profissionais foram responsáveis por ministrar disciplinas dentro do curso. Enquanto Noemia, por exemplo, ministrava um curso de “Análise dos métodos atuais da arte na educação”, outros professores e professoras se dedicavam a práticas direcionadas a diferentes fases do ensino, tais como Arte na escola primária, Arte na escola secundária e Arte no ensino superior. Tais profissionais eram convidados a estabelecer um olhar dedicado a cada fase do ensino, assim como a desenvolver um programa de acompanhamento de estágios em diferentes contextos escolares.
Além dessas, também integravam o currículo muitas outras aulas técnicas relacionadas ao campo da Artes Educação. A formação abarcava ainda visitas a espaços e eventos de cultura incluindo tanto ateliês de artistas quanto instituições como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), o Museu Nacional de Belas Artes, a Revista Cruzeiro, a Bienal de São Paulo e a Biblioteca do Instituto Brasileiro de Pesquisas Nacionais.
O convidado destaca ainda as aulas de Artesanato oferecidas por Laís Aderne, que também ministrava a disciplina Arte Educação. Tais experiências nos levam a refletir sobre a formação dos professores a partir de outras estéticas que não apenas a arte consagrada em espaços oficiais como museus e universidades. Para Sidiney, essas formações alimentavam os professores também de um fazer prático, podendo nos levar à seguinte pergunta: será que podemos pensar no conceito de professor artista já ali no contexto da EAB?
Sidiney encerra o encontro indicando que os caminhos seguem abertos para novas pesquisas e novos olhares sobre a história. A partir desse encontro, somos portanto convidados a seguir nossos estudos, pesquisas e conversas sobre a Escolinha de Arte do Brasil, sobre os movimentos e desdobramentos dessa experiência para o campo da Arte Educação no país e também sobre os possíveis trânsitos epistemológicos, teóricos e metodológicos com outros países da América Latina.